18 de julho de 2019

A Noite dos Mortos-Vivos

Foto: Ligia Jardim

Ronaldo de Morais e Paula Picarelli se conheceram na montagem de Amadores da Cia Hiato, três anos atrás, em 2016. Nos camarins do espetáculo trocaram histórias. Se afetaram por elas. Se conectaram. Essa amizade fez os dois pensarem em criar um espetáculo que evidenciasse as semelhanças e diferenças das suas vidas por relatos sobre suas relações com drogas. Era evidente que suas condições sociais - Paula, nascida no Morumbi, Ronaldo no Itaim Paulista – eram determinantes para a forma como cada um usava ou havia usado substâncias alteradoras de consciência – Paula, transita entre elas recreativamente de forma segura, Ronaldo foi refém das drogas por muitos anos. 

Depois de usar crack por mais de vinte anos, Ronaldo se formou bacharel em Ciências Sociais e hoje é professor da rede pública de ensino. Então, o uso de crack não destrói a capacidade de pensar? Não é verdade que, em apenas uma tragada, o usuário de crack tem sua vida destruída para sempre, sem nenhuma possibilidade de reversão? O usuário de crack não é um zumbi? Um morto-vivo, que  deixou de ser humano? Se essa premissa equivocada caía diante da prova viva de uma pessoa, que outras informações teriam sido absorvidas da imprensa de um modo geral, formando o senso comum de que o uso de drogas é um grande vilão? A quem interessa que as drogas sejam um monstro a ser combatido? 

Entendendo a complexidade do assunto, Paula e Ronaldo pensaram em convidar mais pessoas para o projeto e então agregaram Nilcéia Vicente, atriz que perdeu amigos para o tráfico e considera hoje que envelhecer é um privilégio e Flávio Falcone, psiquiatra que trabalhou durante 7 anos na cracolândia

"A Noite dos Mortos-Vivos", que estreia dia 22 de julho, às 20h, no Sesc Consolação, com direção de Paula Picarelli, fala disso tudo indiretamente, usando o filme homônimo de George Romero, de 1968, como base para as discussões. O desejo é dividir com o público histórias que conectaram esses criadores, que os uniram, que inspiraram uma relação de amizade entre eles. Trazer para o teatro a possibilidade de criar afeto através dessas histórias e quem sabe, pelo afeto, despertar em outras pessoas a uma mudança no olhar sobre a abordagem do comércio e uso de drogas no Brasil.