O sol beirava aos quase trinta graus, mas na efervescência do calor parecia bem mais. As ruas coloridas de uma multidão tão alegre e vibrante que fazia qualquer múmia querer sair da tumba para dançar. Era carnaval. Sofia, Kai, Manuela e Heitor subiam uma, das inúmeras ladeiras de Olinda, ladeados de um grupo todo sujo de barro. O batuque do grupo era gostoso. Sofia, Kai e Manuela tinham um trato fazia cinco anos: no carnaval viajariam juntos, conhecendo algum lugar do Brasil que nenhum deles já tivesse conhecido. Não necessariamente eles teriam que ir para alguma bagunça carnavalesca, propriamente dita, mas aquele ano, eles decidiram, por sugestão de Kai assimilarem um pouco do carnaval regado a muito frevo. Heitor era um intruso no primeiro carnaval que passou com os amigos de Manuela, mas, devido às circunstâncias, foi promovido a “o agregado” do grupo.
Um pouco mais acima já quase no final da ladeira, Sofia avistou um homem com a fantasia de babá empurrando um carrinho de bebê. O charme da fantasia dele era o tamanho dos peitos, enormes. Sofia pegou Kaí no braço e correu para tirar uma foto com o folião. Subiram mais um pouquinho e avistaram um grupo que se preparava para fazer uma coreografia. Decidiram pegar mais uma cerveja e esperar o que iria acontecer. O grupo estava vestido de roupas de banho imitando as ginastas olímpicas. Um deles tinha um barrigão, era a ironia da coisa, onde uma ginasta iria ter um corpo daqueles, só no carnaval mesmo. De repente uma lycra enorme imitando a cor da água da piscina tomou conta de toda a rua. O tecido tinha alguns buracos. Os foliões vestidos de ginastas se posicionaram dentro destes buracos enquanto que outros foliões seguravam a lycra nas beiradas e balançavam-na para dar a sensação de que o pano era a água da piscina se movendo com o movimento deles. A banda começou a tocar e lá foram as ginastas fazendo a coreografia sincronizada e andando pela rua. Era hilária aquela apresentação. Kai bateu foto de toda a turma e de tudo quando era jeito.
Na multidão, tinha criança fantasiada, grupo de jovens folionas dançando frevo. Heitor avistou os bonecos de Olinda e chamou todos para irem ver. Sofia teve a impressão de que um cara estava paquerando-a. Não é só impressão mesmo, mas vá ser gato lá em casa hein. O cara não era nem tão gato assim, mas quando se bebe muito existe uma tendência das pessoas acharem as outras verdadeiras princesas ou príncipes. Os bonecos eram gigantes e tinham outros menores perto que eram conduzidos por crianças. Manuela chegou com mais cerveja para o grupo. Bebendo desse jeito eu vou dar pro primeiro que passar. E Sofia gargalhou com o que dissera. Os amigos ouviram alguém na rua dizer que a “Liga da Justiça” estava descendo a ladeira de uma rua paralela a que se encontravam. Vamos! A Liga da Justiça eram foliões, vestidos de super-heróis que se encontravam meio dia em um determinado local de Olinda e saiam depois pelas ruas numa animação de dar gosto. Enquanto andavam se depararam com outro grupo que ficavam em cima da calçada dando nota às moças que passavam pela rua. Eram uns seis ou sete rapazes. Eles ficavam em cima de banquinhos com placas na mão. As placas tinham notas e, algumas, adjetivos dos mais diversos. Quando passava uma mulher bonita, os foliões de cima das cadeiras levantavam as placas com as notas e o adjetivo: 3 – 2 – 5 – 4 – 10 – Baranga! Os rapazes que tinha dado as notas mais baixas desciam dos banquinhos e fingiam bater no folião que tinha levantado a placa “10”. Já as mais gordinhas, idosas ou feinhas recebiam outro tratamento: 9 – 8 – 8 – 10 – 1 – Gostosa pra caralho! E então, o mesmo rapaz que tinha dado a nota inferior apanhava dos demais companheiros. Sofia logo quis passar na frente dos jurados e saiu de lá com um “Bozenga” em seu currículo. Amei isso! Sofia tentou convencer Manuela de passar na frente deles, mas ela era muito tímida pra este tipo de exposição. Sofia olhou de relance e percebeu que o mesmo cara estava olhando para ela. Agora não é invenção minha, das duas uma: ou ele está me seguindo mesmo, ou eu estou ficando paranóica. Kai percebeu que o moço paquerava Sofia e então a abraçou. Porra Kai, você está de sacanagem comigo?! Kai deu risada e fingiu não entender a amiga. Vamos a gente vai perder de ver a “Liga da Justiça”! Sofia irritada empurrou Kai e sem cerimônia alguma disse: “Pois agora eu é que quero ver a Liga do Caralho”. Manuela e Heitor se acabaram de rir. Kai também rindo, foi pegar mais cerveja, adorava quando Sofia perdia as estribeiras.
Um bloco grande, com um batuque pra lá de indeciso, descia a rua e ia espremendo as pessoas para as calçadas. As pessoas para acompanharem tal bloco formavam filas e seguiam-no. Na verdade eles eram muito mais empurrados por uma multidão do que propriamente acompanhavam por livre e espontânea vontade. Os amigos formaram uma fila, Manuela quase ia à frente quando se lembrou o que Sofia fez com ela no primeiro carnaval que eles foram passar em Salvador, na Bahia. Sofia atrás de Manuela apertava a bunda de um homem e esse moço olhava para traz sorrindo. Manuela que era a própria “miss simpatia” com as pessoas sorria de volta para o moço. E então ficava aquele circulo vicioso: Sofia apertava a bunda do moço, o moço sorria para Manuela e Manuela sorria para o moço. Até quando Kai percebeu toda aquela movimentação e juntamente com Sofia caíram na risada. Manu, então, tinha prometido a si mesma de que Sofia, daquele carnaval em diante, lideraria qualquer fila indiana que o grupo tivesse que fazer para que ninguém corresse riscos lamentáveis como aquele. Então, Sofia fazia verdadeiros zig-zags por entre a multidão e os amigos para acompanhá-los tinham que segurar fortemente nos cós das bermudas ou nas cinturas uns dos outros.
Sofia diminuiu à marcha ao perceber que tinha um “Pão” em sua frente, como Mahya dizia toda vez que achava algum amigo de Sofia bonitão. Sofia propositalmente e num lapso de vingança, pois sabia que Kai era o último da fila e com certeza desta vez não iria atrapalhar, apertou levemente a bunda do rapaz. Ele olhou pra trás e sorriu, Sofia sorriu de volta. Ele comentou algo com os amigos e Sofia deu outra investida na bunda do moço. Ele olhou pra trás e disse: “ao invés de você ficar apertando minha bunda, contendo o seu desejo mais intrínseco, porque você não me dá logo um beijo e agente acaba logo com esse negócio?”. Sofia puxou o colarinho da camiseta do moço, agarrou-o e beijou-o. Os amigos dele deram salvas com palmas e gritos. Manuela ficou estarrecida sem entender nada do que estava passando. Heitor cochichou no ouvido de Manu algo e ambos deram risadas. Kai limitou-se a dizer aos amigos que, enfim, Morrice já podia se considerar oficialmente um corno, e, então, deu uma risada meio sem graça.
O rapaz então começou a acompanhar o grupo de amigos aonde eles iam, sempre de mãos dadas a Sofia. Entre beijos e conversas, Sofia descobriu que ele se chamava Vinicius, era um legítimo pernambucano, engenheiro e que apesar de sua família declaradamente matriarcal nordestina, morava sozinho. Vinicius levou o grupo de amigos para ver o pôr-do-sol do lugar mais alto de Olinda e prometeu a eles que, se quisessem, no dia seguinte, levaria todos para conhecer a praia de Carneiros, uma das praias mais bonitas do litoral pernambucano. Kai foi o primeiro a aceitar o convite com uma ressalva de que ele teria que levar uma amiga junto, pois ele já estava cansado de segurar velas. Promessa é dívida! O sol já tinha sumido, a noite vigorava com toda força e a energia daquele povo rolava solta pela rua. Eles desceram a ladeira e Vinicius levou todos no hotel. Sofia não queria descer do carro, mas também não podia deixar Vinicius “se achando” tanto assim, então, ao fazer intenção de sair do carro, deparou-se com a mão de Vinicius em suas pernas. Você fica! O som daquelas duas palavras soaram tão fortes e tão decididas que Sofia voltou mais que depressa para o banco, piscando, então, o olho para Manu. Manuela subiu as escadas do hotel, enquanto o carro de Vinicius se afastava, e então teve a certeza de que só iria ver a amiga no dia seguinte pela manhã.