5 de setembro de 2019

Erêndira

Foto: Leekyung Kim

Escrita originalmente para cinema em 1972, a novela “A Incrível e Triste História de Cândida Erêndira e Sua Avó Desalmada” é, segundo o Nobel colombiano, Gabriel García Márquez, pura imagem. Cansado de esperar pela realização cinematográfica, ele transformou-a em livro e desde então recebeu inúmeras tiragens e traduções para muitas línguas. Foi encenada por Augusto Boal em Paris, no Théatre de L’Est Parisien, virou filme pelas mãos de Ruy Guerra com Irene Papas no papel da desalmada e Claudia Ohana no papel de Erêndira.

Em São Paulo, a partir de hoje, ganha encenação no Teatro do Sesi-SP, no Centro Cultural Fiesp, pelas mãos de Marco Antonio Rodrigues e uma equipe de 28 profissionais. Celso Frasteschi encarna a avó desalmada e Giovana Cordeiro interpreta a neta, Cândida Erêndira, papel que lhe abre profissionalmente as cortinas do teatro. A adaptação levada ao palco é a mesma elaborada por Boal na montagem francesa, porém, atualizada aqui, na versão brasileira, por Claudia Barral.

Tendo como pano de fundo a triste realidade da exploração sexual de menores nos países pobres, o autoritarismo nos países latino-americanos, a política submetida à economia e o esvaziamento das humanidades, uma avó, em nada parecida com as de conto-de-fadas, obriga sua cândida neta a prostituir-se para recompensar as perdas decorrentes de um incêndio acidental, que a neta supostamente provocara. Terão as raças condenadas a cem anos de solidão uma segunda oportunidade sobre a terra?

“A intensa carga imensamente poética que García Márquez levou à sua história, em um ousado contraponto ao lado terrível do que vive a menina Erêndira, pautou a adaptação de Augusto Boal. E é nessa atmosfera de luz e névoa que iremos mergulhar”, diz Cecilia Boal, responsável pela tradução do texto.

Treze atores compõem a trupe de saltimbancos que vai de peripécia em peripécia contando as mil e uma noites de Erêndira em seu percurso, que vai do deserto habitado pelo ‘vento da sua desgraça’ até os ‘entardeceres de nunca acabar’.

“A Erêndira que sobe ao palco do Teatro do Sesi-SP é dessas personagens a quem não se presta muita atenção, mas que ocupa as ruas, esquinas e terrenos baldios o tempo todo. Importante salientar que pela letra do escritor, o olhar das pessoas é sempre magnificado e subvertido, vira poesia e anedota – carrega a gente junto”, como explica o diretor do espetáculo, Marco Antonio Rodrigues, que continua: “Gabriel tem esse jeito curioso de escrever poesia e romance – toda a sua imensa obra é uma fantástica reconstrução e ressignificação do amor: pela América Latina, pelo futuro, pela memória e claro pela destinatária, ou destinatário do nosso, do meu, do seu, afeto mais íntimo, mais caloroso”. 

E como curiosidade, a peça estreia no mesmo momento em que a Netflix anuncia comprar os direitos de levar às telas em forma de minissérie o clássico do colombiano, "Cem Anos de Solidão".