Os feirantes berravam aqui e acolá numa sinfonia quase que combinada. Os tomates e quiabos, num leve contraste com as cenouras e brócolis tornavam-se musicais naquela gritaria desenfreada. O cheiro de pastel exalava na entrada. Ou ao fundo. Tudo dependia da direção que os xepeiros ou não xepeiros adentravam na feira. Verdadeiros indícios de óleo queimado que só aos mais famintos ou desejosos por tal iguaria fazia-se cheiro e não fedor. Era sábado. E como todo sábado que se prezasse, a Mourato Coelho fervia numa confusão descomedida entre pedestres e carros. Na Inácio, como carinhosamente é chamada a Rua Inácio Pereira da Rocha, o trânsito tornava-se lento como que quisesse provar que o famoso bairro boêmio da cidade era tão irrequieto quanto à Avenida dos Bandeirantes às seis horas da tarde de uma sexta-feira. Sofia parou na barraca de pastel e pediu um de pizza. Ah! E manda uma coca-cola normal também. Pediu. Se for pra enfiar o pé na jaca, então, que se enfiem os dois. Pegou a lista de Mahya e deu uma passada de olho. Incluiu nela mentalmente uma tapioca de coco. Para ela, lógico. Quando deu a primeira dentada, sentiu seu estômago, num gesto de gratidão, ir até a lua e voltar pulando de tanta felicidade. Bebeu um gole de refrigerante. Revirou os olhos. Na segunda dentada, Sofia sentiu uma mão suave em seu ombro. Virou-se lentamente. Deparou-se com um sorriso que há muito não via. De boca cheia, simulou um falso grito e um abraço verdadeiro em Carla. Magra e comprida, loira e de pele queimada do sol, Carla era uma colega de infância de Sofia. Moraram na mesma rua. Estudaram no mesmo colégio e na mesma classe. Dividiram inseguranças de adolescentes, mas quando foram para a universidade, se afastaram. Sofia, com toda sua loucura, fez faculdade de moda e concluiu. Carla, considerada a mais certinha das duas, passou na faculdade de marketing, cursou um ano, trancou e foi mochilar na Europa. Elas não deviam ter se visto para mais de oito anos, não sabiam ao certo. Carla abraçou Sofia na mesma intensidade.
As amigas eram elogio puro. Sofia, mulher, você está linda! Carla estava diferente, tinha encorpado mais, porém o jeito manso de chamar a todos de “mulher” não tinha mudado. E você ta gostosona pra caralho, hein, Carlinha! As amigas cansaram de tanto se elogiarem e quiseram saber uma da vida da outra. Pediram pastel e refrigerante e foram colocando o papo em dia. Não se sabe ao certo quantas horas as duas ficaram conversando próximo à barraca de pastel, mas a certeza de que a japa da barraca já sabia tudo da vida de uma e da outra, isso elas nem tinham mais dúvidas. Sofia pediu para que a amiga acompanhasse ela nas compras de Mahya antes que virasse “Dona Xepa”. A feira foi percorrida com toda maestria e intimidade das duas paulistanas. Conversaram com um feirante aqui e pechincharam com o outro logo mais à frente. Já quase no final das compras, quando acabaram de pagar o peixe, Carla andando para trás pisou, sem querer, na pata de um cachorro. O ladrado do bicho foi tão sentimental que fez Sofia abaixar, largar as compras no chão e acariciar a cabeça do vira-lata numa forma de tentar pedir-lhe desculpas. Carla, um pouco sem jeito, olhava para os lados como quem pedisse desculpas ao dono do cão, como se este existisse. Oh! Carla, olha só o olhinho de pedinte dele... Quando Sofia levantava-se, o cão afanou-lhe uma sacola que estava dando sopa no chão e saiu desembestado correndo pela feira. Impulsiva, Sofia saiu correndo atrás do cachorro como se este tivesse lhe roubado uma mina de ouro. Carla gritava pelo nome da amiga e os feirantes completavam a confusão berrando ora em apoio a Sofia, ora em apoio ao cão. Alguns minutos depois, Sofia voltara de encontro à amiga portando apenas uma sacola de feira vazia nas mãos. Sofia ria muito. O safado só me deixou a sacola! As garotas ainda tentaram saber se o cachorro tinha dono. Alguns feirantes informaram que ele só aparecia em dia de feira, outros ainda diziam que ele não tinha dono e poucos arriscavam que ele fosse vegetariano. Um cachorro ladrão e vegetariano? Era só o que me faltava! Sofia comentava com a amiga ainda dando muita risada do acontecido.
O que não tinha remédio, remediado estava, então, Sofia correu a lista e descobrira que o cão tinha, de fato, levado, a sacola cheia de legumes. Vai ver que os feirantes têm razão, o bicho é adepto mesmo da dieta vegetariana. Voltou e comprou o que o larápio tinha lhe furtado. Sofia, mulher, eu não podia imaginar que ao te encontrar, nós fossemos ter grandes emoções em tão poucas horas – disse Carla. Nem eu, amiga! As amigas se despediram com a promessa de se falaram e fazerem coisas de mocinha juntas para matar o que o tempo jamais tinha embaciado. Sofia andava de volta para casa e com a sensação de que algo te seguia. Olhou para trás e não viu nada. Pensou que fosse algo de sua imaginação. Na distração, tropeçou, mas não caiu no chão. Lembrou do cachorro roubando-lhe a sacola, divertiu-se. Se eu tivesse caído, ele roubaria a sacola novamente, pensou. Mais alguns passos e, Sofia sentiu como se algo tivesse lhe chicoteando as pernas. Parou para ver o que era. Deu risada, não acreditou: era o rabo do ladrão. O que você está fazendo aqui? Ele olhava pra ela e continuava a balançar o rabo. Não caiu mais nessa não, saí. Tentou espantá-lo. Pensou como o cão podia ser tão cara de pau. Balançou as mãos para que o barulho das sacolas o afugentasse. Ele recuou um pouco, mas seu olhar ainda fixava Sofia. Ela desistiu de brigar com ele e voltou a andar como se nada tivesse acontecido. Ele calmamente, como se não tivesse ocorrido absolutamente nada, seguia Sofia. Uma hora ele cansa. Pôs-se a andar. Vez em quando olhava e ele ali: firme e forte. Ela foi vencida pela canseira dele. Quando chegou a casa e que meteu a chave na porta, o canídeo latiu. Desta vez, um latido de alegria. Fechou-lhe a porta na cara, mas ele ficou ali, do lado de fora sentado, como se esperasse uma chance para se redimir. Sofia abriu um pouco a cortina e ele sentado estava, sentado ficara. Pensou que esquecê-lo seria uma boa alternativa e foi à procura de Mahya para contar o acontecido na feira.
As amigas eram elogio puro. Sofia, mulher, você está linda! Carla estava diferente, tinha encorpado mais, porém o jeito manso de chamar a todos de “mulher” não tinha mudado. E você ta gostosona pra caralho, hein, Carlinha! As amigas cansaram de tanto se elogiarem e quiseram saber uma da vida da outra. Pediram pastel e refrigerante e foram colocando o papo em dia. Não se sabe ao certo quantas horas as duas ficaram conversando próximo à barraca de pastel, mas a certeza de que a japa da barraca já sabia tudo da vida de uma e da outra, isso elas nem tinham mais dúvidas. Sofia pediu para que a amiga acompanhasse ela nas compras de Mahya antes que virasse “Dona Xepa”. A feira foi percorrida com toda maestria e intimidade das duas paulistanas. Conversaram com um feirante aqui e pechincharam com o outro logo mais à frente. Já quase no final das compras, quando acabaram de pagar o peixe, Carla andando para trás pisou, sem querer, na pata de um cachorro. O ladrado do bicho foi tão sentimental que fez Sofia abaixar, largar as compras no chão e acariciar a cabeça do vira-lata numa forma de tentar pedir-lhe desculpas. Carla, um pouco sem jeito, olhava para os lados como quem pedisse desculpas ao dono do cão, como se este existisse. Oh! Carla, olha só o olhinho de pedinte dele... Quando Sofia levantava-se, o cão afanou-lhe uma sacola que estava dando sopa no chão e saiu desembestado correndo pela feira. Impulsiva, Sofia saiu correndo atrás do cachorro como se este tivesse lhe roubado uma mina de ouro. Carla gritava pelo nome da amiga e os feirantes completavam a confusão berrando ora em apoio a Sofia, ora em apoio ao cão. Alguns minutos depois, Sofia voltara de encontro à amiga portando apenas uma sacola de feira vazia nas mãos. Sofia ria muito. O safado só me deixou a sacola! As garotas ainda tentaram saber se o cachorro tinha dono. Alguns feirantes informaram que ele só aparecia em dia de feira, outros ainda diziam que ele não tinha dono e poucos arriscavam que ele fosse vegetariano. Um cachorro ladrão e vegetariano? Era só o que me faltava! Sofia comentava com a amiga ainda dando muita risada do acontecido.
O que não tinha remédio, remediado estava, então, Sofia correu a lista e descobrira que o cão tinha, de fato, levado, a sacola cheia de legumes. Vai ver que os feirantes têm razão, o bicho é adepto mesmo da dieta vegetariana. Voltou e comprou o que o larápio tinha lhe furtado. Sofia, mulher, eu não podia imaginar que ao te encontrar, nós fossemos ter grandes emoções em tão poucas horas – disse Carla. Nem eu, amiga! As amigas se despediram com a promessa de se falaram e fazerem coisas de mocinha juntas para matar o que o tempo jamais tinha embaciado. Sofia andava de volta para casa e com a sensação de que algo te seguia. Olhou para trás e não viu nada. Pensou que fosse algo de sua imaginação. Na distração, tropeçou, mas não caiu no chão. Lembrou do cachorro roubando-lhe a sacola, divertiu-se. Se eu tivesse caído, ele roubaria a sacola novamente, pensou. Mais alguns passos e, Sofia sentiu como se algo tivesse lhe chicoteando as pernas. Parou para ver o que era. Deu risada, não acreditou: era o rabo do ladrão. O que você está fazendo aqui? Ele olhava pra ela e continuava a balançar o rabo. Não caiu mais nessa não, saí. Tentou espantá-lo. Pensou como o cão podia ser tão cara de pau. Balançou as mãos para que o barulho das sacolas o afugentasse. Ele recuou um pouco, mas seu olhar ainda fixava Sofia. Ela desistiu de brigar com ele e voltou a andar como se nada tivesse acontecido. Ele calmamente, como se não tivesse ocorrido absolutamente nada, seguia Sofia. Uma hora ele cansa. Pôs-se a andar. Vez em quando olhava e ele ali: firme e forte. Ela foi vencida pela canseira dele. Quando chegou a casa e que meteu a chave na porta, o canídeo latiu. Desta vez, um latido de alegria. Fechou-lhe a porta na cara, mas ele ficou ali, do lado de fora sentado, como se esperasse uma chance para se redimir. Sofia abriu um pouco a cortina e ele sentado estava, sentado ficara. Pensou que esquecê-lo seria uma boa alternativa e foi à procura de Mahya para contar o acontecido na feira.