10 de setembro de 2009

Capítulo 17

Prendeu a bicicleta na árvore que tinha em frente a livraria. Tirou o cadeado da mochila e colocou o segredo. O ano do seu nascimento. Nada mais óbvio, mas era melhor algo que pudesse se lembrar do que ter que anotar o código como se fazia com as senhas do banco. Ridiculo ter que prender a bike na árvore. Pensou. Mas fazer o quê, São Paulo ainda não estava preparada para o mundo ecológico. Sofia fechou a mochila e andou calmamente em direção a loja. Notou que a loja estava cheia. Pensou “onde estaria a crise”. Passou pelos eletrônicos e foi logo ao andar de livros. Deu uma volta para saber das novidades e logo veio uma atendente querendo saber se podia ajudá-la. Sim, estou procurando o livro “Sapatos” de Linda Okeefe. A atendente fez uma curva ali e outra acolá até chegar numa estante de livros um pouco escondida. Sorridente pegou o livro e entregou a Sofia. Posso te ajudar em mais algo. Sofia olhou interessada na capa do livro e respondeu que por hora era tudo o que ela queria. Começou a folhear o livro. Olhou para um lado e para o outro. Avistou uma poltrona. Sentou-se.

Passados cinco minutos, no sofá do lado da poltrona que Sofia sentara, uma senhora de cabelos brancos e um vestido azul todo florido sentou-se apressadamente como quem quisesse garantir algum bom lugar na sessão de um filme. Colocou uma pequena bolsa do lado, cruzou as pernas e abriu um livro. Sofia folheou por alguns minutos a obra e decidira comprá-la. Pegou o celular e ligou para Morrice. Amor, onde você está? Morrice estava atrasado para o encontro. Olha só, quando você chegar, me procura no primeiro andar da livraria, ficarei te esperando aqui. Sofia desligou o telefone e notou que a velha não folheava o livro, mas lia-o entretida. Achou engraçado. Quis saber qual era o livro que a senhora lia. A velha olhou pra Sofia e deu uma risada. Sofia retribuiu. Este livro tá muito bom! Segredou a senhora pra Sofia. A jovem demonstrou interesse e quis saber o nome do livro. Mentes perigosas – o psicopata mora ao lado, anunciou a senhora sem nenhuma reserva. Sofia deu risada e fez cara de surpresa. O que queria uma senhora lendo aquele tipo de livro, pensou, e antes que abrisse a boca para perguntar, a velha lhe disse. É por causa da novela, minha filha. Desde que se descobriu que aquela Yvone era uma psicopata, eu comecei a ler pra me precaver. A gente nunca sabe onde se pode encontrar um, não é ? Sofia deu risada e concordou antes que a velha pudesse pensar que ela era uma psicopata. Ficou intrigada e perguntou desde quando ela lia aquele livro. Ah! Minha filha, vou te contar um segredo. Faz muito tempo que eu não compro livro, eu venho aqui e leio todas as tardes. Sofia não se aguentou e caiu na gargalhada. Os atendentes até já me conhecem. No começo eles encrencavam, mas daí fui ficando amiga, trazendo uns docinhos pro lanche deles e pronto, hoje eles já me liberam. Que velha cara de pau, pensou Sofia. E então o papo evoluiu. A senhora contou pra Sofia que a aposentadoria dela já não dava mais pra nada e que desde criança ela era apaixonada por livros, então, ao invés de roubar, preferia ler na livraria. Ela anotava a página em que tinha parado e no dia seguinte continuava sua leitura. Sofia questionou porque ela não pegava um livro em uma biblioteca e ouviu como resposta um seco: “não se tem biblioteca perto de minha casa”. Sofia olhou entretida e curiosa. É sempre assim, minha filha, nenhum dos governos incentivou a leitura, se tivesse incentivado, tinhamos em cada esquina uma biblioteca, assim como temos farmácias. Eles querem um bando de gente analfabeta pra continuar votando nestes safados! Falou a senhora desbocadamente e eufórica. Sofia teve que concordar com a visão dela, não deixava de ser interessante.

O celular de Sofia tocou, era Morrice. Ela despediu-se da senhora e prometera voltar outras vezes para continuar com o papo. Agora que eu já sei que a senhora vem aqui todas as tardes, qualquer dia destes venho aqui para conversarmos mais. Ah! Minha filha, pode vir mesmo, no dia que eu não vier, é porque ou estou doente, ou morri. E caiu na gargalhada. Sofia também riu, levantou-se e foi ao encontro de Morrice. Contou o episódio ao namorado, era por demais inusitado. “Pelo menos ela encontrou algo de útil pra fazer na velhice, ao invés de ficar reclamando de doenças como todo velho brasileiro faz”, disse o francês. Morrice tinha razão, passou mais alguns minutos da tarde pensativa, não queria chegar à velhice estilo “reclamona”. Deu um beijo no namorado e foram até a sorveteria naquele conhecido frio de São Paulo.