24 de agosto de 2009

Capítulo 15

O despertador tocou. Puta merda... Odeio segunda-feira! Esfregou os olhos e pensou já ter visto este filme antes. Deu risada. Quando abriu a porta do quarto, Brasileiro já esperava por ela abanando o rabo. O cheiro do café de Mahya na cozinha exalava por toda a casa. O frio em Sampa era absurdo. Voltou pro quarto e puxou o edredom sem esticar os lençóis de baixo dele. Acho que Mahya não vai nem perceber. Pensou. Mas Mahya sempre percebia, no começo arrumava, mas depois se cansou de tanto reclamar com a filha, fez uma espécie de autoterapia e passou a deixar a cama como a filha tinha arrumado. Mahya, a partir de então, consumia-se menos com isso. E Sofia achava que tapeava a mãe sempre. Foi ao banheiro. Tomou banhou. Escovou os dentes. Resolveu que ia colocar um vestido curto estilo anos 70, todo colorido com uma de suas sapatilhas da coleção passada. Olhou no espelho, virou de um lado pro outro, checou sua bunda. Parecia está tudo em ordem. Sacudiu o cabelo e dirigiu-se para a cozinha. Eu odeio segunda-feira! Ressaltou para seus pais. Pedro fez um sinal de positivo com a mão e Mahya deu risada da filha. Sofia pensou que herdara tal ódio do pai.

Pegou a bicicleta e com certa dificuldade se ajeitou. Ajeitou também o vestido. Que idéia, hein, Sofia, você mesmo inventa estas merdas e depois se arrepende. Pensou entre risos. Foi trabalhar. Assim que chegou ao charmoso sobrado, Sofia foi logo para o quintal para deixar sua bicicleta. Rotina é rotina sempre em qualquer lugar do mundo, pensou. Carlinhos ao ouvir o barulho apareceu no topo da escada e chamou à amiga. Vem logo, menina, vem ver um bafafá aqui de camarote! Sofia nem ao menos pensou em perguntar o que estava acontecendo e já seguiu Carlinhos. Se abaixe e fique quietinha. Carlinhos ordenou. Sofia foi engatinhando até a janela de sua sala e suspendeu a cabeça devagar conforme as instruções do amigo apenas deixando que os seus olhos pudessem ver o tal do bafafá. Olhe pra aquilo ali! Pela janela do vizinho da frente via-se ele e uma loira gostosona discutindo aos berros. Eu nunca vi esta daí por aqui não. Revelou Sofia. Nem eu, mas pelo pouco que eu ouvi, parece-me que ou eles são casados ou são noivos, namorados, ou tico-tico no fubá, sei lá. Reportou Carlinhos à amiga. Mas e o que aconteceu? Não sei Sofia, não dá pra ouvir muita coisa, as únicas palavras mais exaltadas que ele falou quando deu um murro na mesa e que eu ouvi foram “você me traiu, isso não se faz”. Ah! Carlinhos me poupe, até aí pode ser que ela tenha feito algum tipo de traição profissional ou até de amizade mesmo. Carlinhos olhou fixamente pra Sofia e soltou a piadinha do dia: “ah! tá... E depois ela tenta beijá-lo na boca?! Então eu sou o coelho da páscoa e você a Mamãe Noel”. Os dois riram. O vizinho da frente percebeu os pares de olhos abelhudos de Carlinhos e Sofia do outro lado da rua e, num gesto brusco, fechou a janela sem nenhuma cerimônia. Pronto, a novela acabou, anunciou Carlinhos. Acabou nada, vamos descer e ficar olhando através do vidro da nossa recepção este desfecho. Sugeriu Sofia. Desceram.

Cansados de esperar o desenlance, resolveram que Carlinhos ficaria de olho na baixaria e Sofia iria fazer um café. Se acontecer alguma coisa, me chame, pelo amor de Nossa Senhora! Laura abriu a portas de repente e os dois se assustaram como crianças quando aprontam algo de errado. Extremamente afetado Carlinhos disse que Laura quase o mata do coração. Laura só ria. Ah! Laura, ainda bem que você chegou, nós estávamos esperando você para que passe um café pra gente. Pediu Sofia enquanto voltava para o seu posto de observação. Assim que Laura se dirigiu a cozinha, a loira saiu do escritório do vizinho. Ela bateu a porta principal, enxugou algumas lágrimas e olhou para a janela do vizinho fechada acima de sua cabeça. Meu, Deus, será que ela estava esperando que ele ficasse olhando ela pela janela e acenando adeus? Carlinhos perguntou indignado. A loira abriu o portão menor do escritório e dirigiu-se para o carro do vizinho estacionado em frente ao escritório. Meu Deus, será que ela vai furar o pneu ou quebrar algum vidro? Desconfiou Sofia. Ai, Jesus, isso ta ficando sensacional!!! Carlinhos exaltou-se. A loira tirou da bolsa um bloco de papel e uma caneta. Escreveu. Enxugou mais algumas lágrimas. Arrancou o papel e colocou o mesmo entre o pára-brisa e o vidro do carro. Dirigiu-se para outro carro, entrou e foi embora.

Sofia olhou para Carlinhos e sem cerimônia sugeriu: vamos pegar aquele bilhete? Carlinhos olhou indignado para a amiga e perguntou se ela tinha bebido álcool logo pela manhã. Sofia deu risada. Laura trouxe-lhes o café. Beberam. Sofia estava irrequieta. Carlinhos pegou a amiga pelo braço e, enquanto subiam as escadas, disse-lhe pra esquecer aquela idéia maluca.

Sofia sentou-se na mesa para trabalhar, mas por meia hora só conseguiu responder alguns de seus emails. Não parava de pensar no bilhete. Ficou planejando em ir até o outro lado da rua e pegá-lo, só teria três possibilidades: alguém vê-la fazendo isso e o vizinho ficar sabendo, o próprio vizinho ver tal cena e perguntar o que ela queria junto ao carro dele ou ninguém ver nada e ela se dá bem. A curiosidade matava Sofia. A alternativa mais fácil seria se ninguém visse nada. Levantou-se e foi até a janela. Não tinha uma alma viva na rua. Pensou que aquele poderia ser um bom momento até que o vizinho abriu a porta e saiu. Sofia tentou disfarçar para que o vizinho não percebesse que ela estava olhando pra ele. Ficou em pé, pegou alguns croquis e fez cara de quem estivesse analisando sua própria criação. Com um olho no peixe e o outro no gato, Sofia viu o vizinho pegar o bilhete, ler, enfiar no bolso da calça e sair com o carro. Ele não tinha nenhuma reação: nem de ódio, nem de compaixão. Apenas saiu. O que não tinha remédio, remediado estava, então, Sofia voltou para sua mesa e retomou a leitura de seus emails.