5 de agosto de 2009

Capítulo 14

Os passarinhos trinavam e o sol reluzia incansavelmente, sem cerimônia, como se fosse o dono da situação. Depois que Sofia contara para Mahya sobre o reencontro com Carla, pôs a ajudar a mãe na cozinha. Também contou sobre o ocorrido na feira com o cão. Impagável esta cena! Registrou Mahya caçoando da filha. Mahya, você não acredita, mas ele me seguiu até aqui. Já deve ter ido embora, mas a cara de pau dele era até engraçada. Pedro chegou à cozinha e Sofia contou toda a história novamente. O pai zombou também da filha. Mahya ria. Sentaram. Almoçaram. Pedro e Mahya decidiram ir ao cinema. Convidaram Sofia. Até iria, se não tivesse combinado com Morrice de nos encontrar com Kai e a purgante da namorada dele. Mahya recriminou a filha. Sofia, Kai é seu amigo, de tanto que ele já agüentou suas maluquices, isso é o mínimo que você pode fazer por ele. O celular de Sofia tocou. Era Morrice. Sofia, existe um “cachoro” com os dentes pra fora e fazendo “rrrrrrr” pra mim. Você poderia tirá-lo, por favor, pois sequer consigo chegar a sua porta para tocar a campainha? Demorou que a ficha de Sofia caísse, mas o cão que Morrice estava falando, possivelmente, fosse o canídeo da feira.

Sofia correu até a porta de casa para ver o que estava acontecendo. Ao abri-la deparou-se com Morrice encostado na parede, duro, quase teso, sem ao menos piscar os olhos. E o cachorro rosnando para o francês. Papai, Mahya, vocês nem vão acreditar no que está acontecendo. Pedro e Mahya correram até a porta para ver o que estava acontecendo. A cena se não fosse engraçada, era no mínimo pitoresca. Psiu, cachorro cala a boca, saí daqui! Sofia tentou espantá-lo, mas em vão. O cachorro não arredava as patas. Sofia passou para o lado do namorado, pegou-o pela mão e conduziu até dentro de casa. O cachorro abanou o rabo e cheirou Morrice. Mas que “cachoro” trapalhão é este, meu amorrrr? Perguntou Morrice com seu sotaque genuinamente francês. Mahya logo se encantou pelo cachorro e agachando-se, começou a alisá-lo. Não, Mahya, não faça isso, ele vai acabar criando afeição por você, avisou Pedro. Tarde demais o aviso. O cachorro já tinha adotado a família sem nem ao menos perceberem. Enquanto Sofia e Mahya brincavam com o cachorro, Pedro colocava as mãos na cabeça e lamentava-se: já vi tudo, agora só falta comprar a vasilha da comida, da água e a ração...

Morrice olhava para toda aquela cena e nada entendia: Pedro desesperado, Mahya carinhosa e Sofia com ar de moleca, como sempre. Acho que vou chamá-lo de “Brasileiro”! Sofia anunciou como quem tivesse tramando algo. Brasileiro? Quis saber Mahya. Sim, Brasileiro, Mahya, pois ele não desisti. Nunca! Enfatizou Sofia enquanto dava risada ao olhar a cara de desespero do pai. Mahya fazia cara e bocas para o marido como quem quisesse convencê-lo de algo. Ah! Pedro, pelo menos ele vai proteger a casa. Alegou a esposa. Pedro sabia que tinha perdido a batalha. Perdera muito mais para Mahya do que para a filha. Era surpreendente o que duas mulheres podiam fazer com a vida de um homem. Bateu levemente nas costas de Morrice e em tom de brincadeira, preconizou: “vai se acostumando, meu caro, estas duas aí quando se juntam é parada dura para qualquer cidadão despreparado...como eu. Morrice deu um riso falso como quem tivesse entendendo tudo, mas não entendera nada. Você já ouviu aquele ditado "tal mãe, tal filha?”. Morrice, meio sem graça, abanou a cabeça afirmativamente. Pois é, olha o seu futuro aí. Apontou para Mahya, deu risada e convidou-o para entrar em casa.

Nos dias que se sucederam, Mahya e Sofia babavam com a esperteza de Brasileiro. Um vira-lata que sempre dormira na rua, passara então a se acomodar em cima dos sofás e camas. Mãe e filha compraram coleira, levaram-no ao veterinário para dar vacina, alimentaram e deram banho no cão. Sofia levou-o para passear no parque Vilas Lobo de coleira e fez Kai ir até a sua casa para conhecê-lo. Passou a semana inteira contando as peripécias do cachorro para Carlinhos, que gargalhava da amiga sem acreditar em todo aquele envolvimento canino. Sofia criou uma coleção de sapatos infantis onde o tema era cães. Não por dinheiro, pois ninguém tinha encomendado, mas por puro prazer. A necessidade de criar diariamente era grande. A coleção era colorida e cada cor de sapato representava uma determinada raça canina. Com exceção da cor preta que era representada por um cachorro de cada tipo. O motivo? Contrastar e alegrar a cor considerava tão séria para crianças. Inclusive, o vira-lata representado na coleção era o focinho e jeito de Brasileiro. Sofia ia deixar aquela coleção engavetada, quando precisasse, usaria. O cão mais parecia um brinquedo novo para Mahya e Sofia do que propriamente um animal. Pedro todos os dias dizia que tinha perdido o reinado para o cachorro. Ainda bem que é para um "Brasileiro", pior se tivesse sido para um estrangeiro, eu não sei do que seria de mim. Numa alusão a Morrice, Pedro fazia questão de só falar isso quando Sofia estava por perto. Ciúme de pai é igual em todos os lugares. Pedro não estava com ciúmes do cachorro, mas sim do namorado de Sofia. Aquela relação estava séria demais. Além disso, ele tinha o prazer de ouvir Sofia recriminando-o: “Pai, o que é isso?”. E Pedro dava risada. Vez em quando ainda arriscava dizer à filha que tinha virado xenófobo. Quando Sofia começou a ignorar os comentários paternos, a brincadeira perdera a graça, e então, Pedro voltou a ter ciúmes do seu carro.