6 de março de 2009

Capítulo 6

O telefone tocava insistentemente e não tinha um filho da puta que pudesse atendê-lo. Sofia, meio cambaleando, um olho fechado e outro aberto, foi em direção do aparelho. Parecia que estava bêbada, mas não estava. O telefone não parava de tocar. No meio do corredor tinha um taco solto. Ela tropeçou e deu com a cara no chão. Puta que pariu! O joelho doía. Essa merda vai ficar roxa, já estou vendo. Quando alcançou o telefone, ele parou de tocar. Sofia deu um grito pra extravasar a raiva e a dor que sentia. O silêncio na casa imperava. Mahya!? Papai!? Ninguém respondia. Ela devia estar sozinha em casa. Para onde será que eles foram? Foi até o banheiro, sentou-se no vaso sanitário e a cada tanto de xixi que saía, parecia-lhe que ia dando um alivio em todo o seu corpo. Olhou para o lado e percebeu que não tinha papel higiênico. Ah! Só me faltava essa agora... Ela começou a se sacudir no vaso na intenção de que os últimos pingos de xixi fossem embora. O celular dela começou a tocar. Num rompante, ela se levantou, colocou a mão embaixo de sua genitália, na tentativa de evitar que caísse no chão algum pingo de urina perdido entre uma sacudidela e outra, deu dois passos em direção ao armário do banheiro e pegou o papel higiênico. O celular teimava em tocar. Já estou indo! Sofia gritou, como se alguém do outro lado da linha telefônica pudesse escutar. Saiu correndo para o quarto enquanto subia a calcinha. Olhou no visor e toda melosa atendeu o celular. Alô?! Era Morrice. Ele quis saber como tinha sido o carnaval de Sofia e contou um pouco do que assistiu nas escolas de samba do Rio. Morrice estava maravilhado com todo aquele espetáculo. Ele pediu desculpas para Sofia, mas não poderia vê-la durante o dia, tinha uma reunião marcada com o seu orientador para discutir um pouco mais de sua tese. Mas em pleno sábado, Morrice?! É Sofia, quem faz mestrado estuda muito e têm que se dedicar, além do mais, meu coordenador só pode falar comigo agora pela manhã. Combinaram, então, de sair à noite.

Sofia foi até a janela da sala e viu o carro de Pedro estacionado na porta. Não entendeu nada. Sofia ligou pro celular de Mahya. Mahya, onde vocês estão? Mahya disse que estava na casa da vizinha Yara, esperando ela acordar para que pudesse levá-la ao supermercado. Sofia lembrou que Yara tinha um filho lindo, Marcos. Ele vivia pelas ruas da vila madalena andando de skate com seus amigos e expondo seu bíceps, tríceps e coxas para quem quisesse ver. Era um garoto descolado. Pena que ele é menor de idade... Foca, Sofia, foca. E papai, Mahya, onde ele foi? Foi jogar dominó com os amigos. Era sempre assim: Pedro jamais deixava Mahya dirigir o carro, pois dizia que ela não conduzia descentemente. E toda vez que ele jogava dominó com os amigos, Sofia tinha que bancar a motorista para Mahya. O problema é que ele só jogava dominó com os amigos quando Mahya tinha que fazer o supermercado do mês. Na opinião de Sofia, Mahya era barbeira mesmo e o pai um tremendo folgado, mas mesmo assim foi se trocar.

Enquanto Mahya fazia as compras da casa, Sofia entretida xeretava todo o corredor de higiene e limpeza, bem como o de cosméticos da loja. Cansou e foi procurar Mahya. De longe, percebeu que um coroa paquerava a mãe. Mahya estava entretida comparando os preços dos extratos de tomate. Sofia chegou ao ouvido dela e disse bem baixinho: “Arrasando corações, hein, Mahya. Deixa só o Pedrão saber disso”. Mahya deu uma olhada em volta e viu o homem olhando disfarçadamente para ela. Desdenhou: “Não faz meu tipo”. Colocaram as compras no carro e ao saírem do estacionamento, outro veículo, em velocidade bastante considerável, deu uma fechada nelas. O sinal fechou e os dois carros ficaram emparelhados. Mahya e Sofia começaram a encarar o motorista do outro carro sem falar nada, apenas reprovando-o com os olhos. O motorista sem nenhuma cerimônia olhou para as duas e debochou. “O que é que estão olhando? Vai sua barbeira, não sabe dirigir, então vai pilotar fogão”. Sofia olhou-o cinicamente e deu uma risada. É que eu sou melhor na cama, seu otário! O sinal abriu. Mahya e Sofia olharam para ele gargalhando. O homem ficou sem reação e sem resposta, mas saiu cantando os pneus.

À noite, Sofia foi se encontrar com Morrice. Ela estava linda, pelo menos aos olhos dele. Ele abraçou-a com muita força. Sofia, o carnaval sem você, pra mim, foi como se eu tivesse numa cama de criança. Ela sorriu e beijou-o. Não podia dizer-lhe o mesmo, mas gostava desse jeito carinhoso e espontâneo que Morrice tinha.