Sofia decidiu se dar dois dias para ver se a poeira baixava. Passado alguns dias do acontecido, a poeira ainda estava lá intacta, cheia de ódio. Então, sofia levantou-se da cama e decidiu que já estava mais do que na hora de pôr o seu plano em prática. Ligou para o escritório e disse que tinha uma reunião com um cliente, que só iria na parte da tarde. A loja de ferramentas estava cheia. Sofia pegou um machado e o atendente ficou olhando para ela como se pensasse “o que uma moça tão bonita quanto ela estava querendo com um machado?”, mas podia ter sido meramente impressão. Quando a gente decide fazer algo que sabe que está errado perante as leis da sociedade, imaginamos coisas – pensou Sofia. Ela dirigiu para o apartamento de Morrice um pouco nervosa. Ficou esperando o porteiro sair para o horário do almoço, pois sabia que neste horário ninguém ficava na portaria.
O porteiro saiu, Sofia entrou. Ela sabia que no prédio não tinha cameras, decidiu não arriscar, subiu de escadas. Colocou as luvas. Abriu a porta do apartamento de Morrice e lembrou-se da primeira vez que tinha entrado nele. Olhou para o sofá e recordou uma das inúmeras noites de amor que tinha feito nele. Não conseguiu chorar. Sofia olhou cuidadosamente o apartamento como se checasse que não tinha ninguém. E não tinha. Então, Sofia respirou fundo. Bem, estamos aqui para isso, falou consigo mesma. Começou pelo som, algo que Morrice mais gostava. Deu apenas três machadadas, o suficiente para dar perda total no aparelho. Depois de ter destruido toda a sala, Sofia foi para o quarto, banheiro e chegou na cozinha. O apartamento de Morrice estava completamente destruído. Ela sorriu, um sorriso de satisfação. Caminhou até a porta. Parou. Olhou no relógio e viu que ainda dava tempo de sair sem que ninguém a visse. Olhou pela janela e a vida lá fora pulsava normalmente, sem nenhuma alteração, sem nenhum ataque cardiaco. Foi até o olho mágico e certificou-se de que ninguém passava pelo corredor. Abriu a porta e foi-se. Decidiu guardar a chave do apartamento de recordação. Pensou em amarrar um laço vermelho nela. Talvez para simbolizar algo proibido, não sabia ao certo. Desceu as escadas e antes de entrar no corredor olhou de um lado para o outro, não vinha ninguém. Andou até a portaria com passos largos. Saiu do prédio sem que ninguém a visse entrar, muito menos sair. Entrou no carro e começou a chorar. Devo estar louca de fazer uma coisa destas, pensou. Tarde demais, já tinha feito.
Sofia dirigiu alguns quilometros e decidiu parar num posto de gasolina. Ligou para Kai. O amigo ouviu pacientemente o choro dela, sem perguntar nada. Quando Sofia se acalmou, ele perguntou se ela tinha se arrependido. Ela voltou a chorar, um choro profundo. Não sei, Kai, não sei se realmente eu me arrependi ou não... Kai não queria saber o que a amiga tinha feito, só estava preocupado com ela. Disse-lhe que não podia sair do trabalho àquela hora, mas se ela quisesse se encontrar com ele à noite, ele estaria disponível. Não Kai, só queria chorar um pouco com alguém em que confio, revelou.
Ligou o carro e voltou a dirigir. Olhou no espelho, a maquiagem estava borrada. Resolveu chorar mais um pouco enquanto dirigia, só que desta vez um choro silencioso. Parou o carro na vila, enxugou as lágrimas, retocou a maquiagem e entrou no escritório. Laura notou que Sofia estava estranha, mas só desejou-lhe “boa tarde”. Sofia respondeu e pediu-lhe um café, enquanto subia as escadas. Entrou na sala de Carlinhos e ele não estava lá. Sofia foi para sua sala e, especialmente neste dia trabalhou até tarde da noite. Rascunhou o tempo todo sapatos de uma coleção que lembrasse objetos quebrados. Simulou em um deles um vidro quebrado. Vidro era mais frágil, pensou em alguma outra alternativa, mas não chegou a nenhuma conclusão. Quis fazer uma alusão a fragilidade do amor, mas deu risada e pensou que não tinha nenhum jeito para filosofia barata. Olhou toda a coleção e achou que tinha ficado linda. Agora, preciso pensar para que cliente vou vendê-la, falou consigo mesma. Olhou o relógio e viu que já eram quase meia noite. Decidiu ir para casa. Deixou um bilhete para Laura avisando que no dia seguinte chegaria mais tarde e saiu do escritório como se fosse qualquer outro dia em sua vida.